O processo – Estudo dirigido

Estudo dirigido do filme: “O processo”. Disciplina: Introdução ao Estudo do Direito. Professora: Juliana Lívia Antunes da Rocha

1 – De acordo com o filme, como podemos perceber a noção de Direito e do Poder Judiciário?

O Direito é um conhecimento supremo, inalcançável para cidadãos comuns, e seus atores tentam passar uma imagem de incorruptíveis porém na prática participam de relações promíscuas todo o tempo.

O Poder Judiciário é supremo, altamente burocrático, para reforçar a idéia de complexidade, e fechar cada vez mais o círculo de pessoas capazes de compreendê-lo e aplicá-lo “a todo custo”.

Em certos momentos, percebe-se um contexto crítico ao positivismo jurídico:

  • As normas imperam, os juízes e principalmente advogados apenas reproduzem-na (“boca da lei”), mantendo uma dinâmica do complexo, do inatingível, do intransponível, da “caixa preta”;
  • Existe uma relação de igualdade entre o Direito e a lei; não existe necessidade da justiça – um cidadão acusado, que pode na verdade ser qualquer um, independente do contexto;
  • A própria questão do positivismo sociológico (Lombroso) é colocada nas afirmações de que basta ver os traços ou a boca de um cidadão para que ele tenha alta probabilidade de ser um acusado.

A cultura da população em geral discrimina os acusados, simplesmente por serem “acusados” ou delinqüentes, sem mesmo entender ou saber se existe motivo:

  • Ao ser “acusado” de não se sabe o quê, o sr. K. passa a ser alvo de pressões, tanto dos colegas de trabalho, que inúmeras vezes apenas o observam, quanto da própria família, que se preocupa com o nome e a tradição (tio Max);
  • Os “acusados” em certa ala no Tribunal permanecem inertes, sem reação, apenas “concordam” com sua situação e ficam no lugar reservado a eles, sem mesmo conversarem uns com os outros, até porque um acusado “não deve merecer atenção”;
  • Em certo momento o sr. K. tenta esconder mas não deixa de pensar no homem torturado que lhe pediu ajuda – simplesmente porque ele representa uma parte mais “consciente” da população, pois o restante “não liga”.

Ao longo do filme percebe-se também a supremacia da Poder Judiciário:

  • A grandiosidade das construções, como o Tribunal;
  • A superioridade dos advogados e juízes, que nos diálogos sempre se encontram em planos superiores em relação a seus clientes ou subalternos;
  • A arrogância do estudante de Direito, submetido às vontades do juiz supremo desde o início do seu curso;
  • O chefe de segurança que depende do emprego e “aceita” que o juiz tome sua mulher;
  • Mesmo aqueles que eventualmente podem influenciar o judiciário (o pintor, por exemplo), na verdade estão “controlados”, constantemente observados por elementos do judiciário (as meninas) e com acesso físico direto, ou seja, não existe uma separação nítida de um território isolado, o ateliê (precário, representando a desvalorização das artes) parece mais um “anexo” do poder.

O Direito em si é complexo demais, mas apenas nas aparências para os cidadãos comuns, que devem percebê-lo como uma “caixa preta”:

  • O livro “sagrado” do juiz inquiridor contém na verdade trechos pornográficos. Existe muito mais um status, uma aparência a ser mantida;
  • As normas e os textos jurídicos são “tão complexos”, que um cliente (sr. Bosch) tenta ler uma página de um texto o dia todo e não compreende nada – o advogado ainda argumenta que aquilo é uma parte ínfima do Direito;
  • Mesmo o cidadão que percebe a complexidade e o “tamanho” do Tribunal, acha-se esperto ao contar com mais 5 advogados, pois “apenas um não conseguiria percorrer todo o Tribunal”. Na verdade podemos observar uma analogia com a complexidade do desenrolar de um processo, interminável assim como o espaço do Tribunal;
  • O sr. K. é chefe de uma empresa altamente burocrática, repetitiva, porém não se dá conta disso ao criticar .

O contexto de um Direito burocrático e um Poder Judiciário inatingível abre espaço para a corrupção:

  • A burocracia está presente em todos os momentos, representada pelo grande volume de papéis inclusive nos momentos de sedução: mesmo na intimidade os cidadãos estão envoltos pela burocracia;
  • Os investigadores que pedem as roupas ou pertences ao sr. K., e mais tarde alegam que isso é “prática comum”;
  • Em todo relacionamento jurídico existe uma mulher sedutora para os cidadãos não se “desanimarem” do processo;
  • O processo nunca acaba, sempre se arrasta, porém os advogados sempre conhecem alguns juízes influentes, e através de seus “contatos” podem até “resolver” casos para seus clientes.

A violência é usada sempre que necessário, ou mesmo quando não tão necessária:

  • A privacidade dos cidadãos é invadida a todo momento, desde a primeira cena;
  • Os investigadores usam da violência para subjugar aqueles que se negam a contribuir;
  • O cliente (sr. Bosch) é mantido “refém” no quarto da empregada, sendo “autorizado” a sair para comer às 8 horas;
  • Por fim, o sr. K., questionador maior do “sistema”, é perseguido e literalmente explodido.

Ironicamente, talvez, o nome do personagem central, sr. K. – “key”? Ou seja, sua postura não seria a “chave” para a situação de vários outros cidadãos que não se conformam mas agem de forma a contrariar as imposições do “sistema”?

2 – Você concorda com a concepção transmitida pelo filme? Fundamente.

Sim. Retirando o excesso de ironia, e considerando que mesmo por traços culturais a população não se informe sobre o Direito (qual o percentual da população que conhece ou já leu a Constituição?) e mesmo seus direitos, consideramos os seguintes aspectos:

  • Não que seja uma particularidade do Direito, mas como em outras profissões, existe uma tendência ao excesso de uso do jargão técnico e próprio da área, que pode entre outros fins ter o objetivo de “ocultar” parte do processo jurídico;
  • A postura da população é tendenciosa em relação aos acusados; existe discriminação contra ex-presidiários ou pessoas maltrapilhas;
  • Os rituais e locais de exercício do Poder Judiciário, principalmente no interior, ressaltam a figura do juiz enquanto “superior”; até poucas gerações os “doutores” eram médicos ou advogados, questão de orgulho para os pais;
  • A maioria da população não faz a mínima idéia sobre um processo judicial, e em virtude de sua ignorância sobre o tema, coloca o advogado ou juiz em um plano superior, pois sua “sentença” está nas mãos deles, assim como sua vida nas mãos de um médico;
  • Existe espaço para a corrupção, como causas trabalhistas em que o advogado do empregado realiza acordos particulares com o empregador;
  • A maior parte dos processos se arrastam por anos ou décadas, e isso é “normal” no meio jurídico.

Realizar um curso de Direito, entre outras expectativas particulares, é tentar conhecer um pouco mais a fundo essa “caixa preta”, e dentro da premissa de tratamento de um bem comum, de uma função mais social, buscar uma forma de quebrar em parte o mito por trás do Direito.