Presença de proibições e ausência de prescrições matrimoniais constituem a característica chave das famílias nucleares nas sociedades complexas.
Podemos constatar as mudanças sociais e respectivas punições na França do século XIX, onde, antes do Código Napoleônico, o incesto era punido através da decapitação dos culpados na Place de Grève. Hoje, na França, o incesto constitui somente circunstância agravante quando envolve crianças e adolescentes. Com certeza a evolução do individualismo e o lugar cada vez mais inferior que o parentesco passa a ocupar no seio das sociedades complexas contribuíram para a flexibilização da punição do tabu do incesto.
As estratégias individuais a partir das quais decorrem as alianças, apontam como fatores determinantes na escolha matrimonial a origem social e territorial dos indivíduos. Isso leva à constituição e casamentos que unem cônjuges na mesma origem social.
Não obstante as alterações ocorridas, em termos de estrutura social, e a diversificação, em termos de meios e grupos, ainda persiste com maior probabilidade o casamento entre cônjuges do mesmo meio. A mobilidade social foi atenuada mas não conseguiu eliminar as pressões que levam à escolha do cônjuge. Hoje prevalecem com mais relevância a união entre agricultores e operários, decrescendo essa incidência em relação aos comerciantes e demais setores da classe média.
A Antropologia Jurídica, no intuito de compreender a diversidade cultural das famílias nas sociedades complexas tem um papel muito maior do que um mero instrumento político –pedagógico para se compreender os problemas decorrentes da globalização. Optar-se-á por uma Antropologia Jurídica da Dúvida Metódica, onde a justiça estatal não deve ficar eternamente sustentada ideologicamente por uma ciência (episteme) baseada na teoria pura do Direito e numa práxis associada a um “pseudo” isolamento da realidade e da justiça social: na verdade, ela surge, gradativamente, com a angústia, a desorganização causada pela modernidade nas nossas sociedades complexas.
São essas mesmas sociedades complexas que questionaram, na segunda metade do século XX, os modelos culturais que lhe davam significado. Privilégios de idade, sexo e etnias foram descartados, a dúvida e a igualdade foram valorizadas, tudo em detrimento da crença religiosa e da hierarquia estatal.
Segundo os autores, a Antropologia Jurídica atua como meio de impedir que os sistemas da modernidade (ou seja, as sociedades complexas e globalizadas) e da tradição (as sociedades pré-globalizadas) se excedam, em termos de sentido e lógica própria, fomentando ainda mais as angústias e alienação política presentes nas nossas selvas de pedras urbanas.
Portanto, a finalidade maior da Antropologia Jurídica reside em descobrir melhor nosso direito, quebrando as barreiras do formalismo e da pseudo neutralidade da norma jurídica. É, na verdade, a fonte de força da qual nos alimentamos para enfrentar as mudanças sociais provocadas pela globalização nas sociedades complexas.
A Antropologia do Direito incentiva a construção de um direito interdisciplinar e humanista, com punições de acordo com os princípios da justiça Social. Este direito interdisciplinar busca o caminho da mediação sociopolítica, em vez de sobrecarregar o Poder Judiciário com ações processuais desnecessárias.
A Antropologia Jurídica, por sua vez, ao se imbuir de um caráter interdisciplinar, dá um novo enfoque à diversidade cultural da Família nas sociedades complexas, em busca uma sociedade mais democrática e pluralista, contribuindo com valiosa orientação em termos de regras político-jurídicas (tais como aborto, uniões estáveis, divórcio, direitos humanos das mulheres) relativas às relações familiares.
** Parte do trabalho “Antropologia” apresentado em 2009 com os colegas Eliana Maria C.Del Bianco Maia, Karla Matos de Souza, Luana da Silva Rodrigues e Luciara Morais Alves à disciplina Antropologia Jurídica. Professor Sílvio Horta.